Dia
de chuva nunca foi o meu forte; pelo contrário, baixa uma tristeza sei lá de
onde... Saí assim de casa: bem cedinho, numa manhã de domingo, antevéspera de
Natal, céu cinza, chuva regando janela de táxi... Fim de ano é normalmente
intenso, o consultório não me deixa negar e eu, pessoalmente, não fujo à regra:
cansaço de um ano inteiro + balanço do que passou somado à projetos do novo ano
que ainda nem começou, mas que teima em invadir geral antes da hora! E lá vai meu
coração apertadinho de saudade dos filhotes que já estão longe, mais um punhado
de melancolia na bagagem... Deveria ser proibido passar festas de fim de ano
sem crianças - especialmente as nossas!
Aeroporto
lotado, voo atrasado (ok, só um pouquinho...) e eu pensando que, apesar de
tantos avanços tecnológicos, esperar sempre dura uma eternidade. Intolerâncias
contemporâneas à parte, finalmente entro no avião e me acomodo com meu kit
viagem completo: o jornal do dia, um livro que comecei a ler na véspera e que
está me empolgando e uma revista novinha em folha para folhear. Esperança de
que, munida assim, as duas horas de avião realmente voassem...
Já
no ar, percebo um pequeno de boné e óculos de grau sentado do outro lado do
corredor. Um crachá no seu pescoço avisa que está desacompanhado. Ele olha para
os lados como quem pede ajuda. Nossos olhares se cruzam e trocamos um sorriso
tímido. Então, pergunto se posso ajudar. “Queria
saber se aquele banheiro alí da frente é masculino ou feminino...”, ele fala. Explico
que é unissex e lá estava eu: kit leitura esquecido no colo e um garoto de 11
anos, empoderado no seu papel de viajante, saboreando aquela autonomia
recém-conquistada como ninguém, mesmo que por apenas duas horas!
Olhando
com seus olhos de criança, o céu era definitivamente mais que azul, o mundo
localizava-se sob nossos pés e o futuro era um infinito de possibilidades! E
tinha até espaço para alguma “imperfeição” ou realidade, como preferirem. Ele iria
passar as férias apenas com o pai, já que a mãe, vivia em São Paulo e ficaria por lá. Qualquer
semelhança é mesmo mera coincidência nos roteiros da vida!
Onze
anos de idade e já aprendendo a conviver com a vida como ela é. Sem dramas. E ele
seguia me contando que nem era tão difícil viajar sozinho e descrevia fórmulas que encontrava para afastar possíveis medos e inseguranças. Mas os
seus olhos brilharam mesmo ao contar sobre a alegria que sentía na chegada e
que, segundo ele, superava qualquer dificuldade. Saí do avião, leve, coração feliz e alimentado de infância – não me refiro a
infância do meu mais novo amigo, sentado alí, do meu lado, mas da criança que
fui, e que reencontrei saborosamente durante o voo.
Ahhhh,
o garoto, ironicamente, como tudo de muito interessante nessa vida, se chamava
Gabriel... Desceu do avião acompanhado
da aeromoça e eu, logo atrás. Juro que enxerguei suas asas...