terça-feira, 14 de maio de 2013

Eu uso óculos!




Foto: Cao Guimarães

No fim de semana passado lí no jornal que uma peça estava em cartaz: Barafonda. Gratuita, encenada nas ruas da Barra Funda, crítica favorável e nome mais que simpático, na minha opinião, foram suficientes para que fechasse a programação da minha tarde de sábado.

A história começava em uma praça e se deslocava por todo o bairro, misturando história e mitologia. Algumas vezes, com insights realmente geniais; noutras vezes, apenas elucubrações impossíveis da expectadora aqui decifrar.

Uma cena me tocou muito e continua me impactando. Não queria escrever sobre nada este mês, numa preguiça de inverno absoluta, cansada da minha vozinha interna, prolixa que só, que teima em conversar comigo o tempo todo, sem trégua. Mas a cena, perdurando na minha cabeça, nos meus pensamentos.

Enquanto caminhávamos pelo bairro, os atores se misturavam com os pedestres, lojistas, motoristas de carros e motos que passavam por alí. Debaixo do Minhocão, arte e vida real caminhando de mãos dadas. Várias cenas acontecendo ao mesmo tempo quando, de repente, uma expectadora pára, saca o celular e tira uma foto: um adolescente socorrido em plena crise de overdose pelos atores. Ela enxergando fantasia enquanto a realidade estava alí, estampada diante de quem quisesse enxergar. Masterização do trágico? E eu, expectadora da expectadora, chocada, tentando identificar a que enredo a nossa vida pertence.

Se por um lado, imaginação e desejo podem nos libertar vide a proposta deliciosa naquela tarde de sábado; por outro lado, o quanto de vida nos escapa, perdida  em um cotidiano cada vez mais espetacularizado e distante da realidade?

Ainda me perguntando se a “fotografa” da peça se deu conta da cena que registrou. Para além da interrogação, uma constatação: Olhar é bem diferente de enxergar.

A preguiça às vezes nos poupa. Às vezes, não...